Lei da Liberdade Econômica e o controle dos atos administrativos pelo Judiciário

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A Lei da Liberdade Econômica (nº 13.874/19) se propôs a estabelecer garantias de livre mercado a partir dos princípios da liberdade no exercício de atividades econômicas, da boa-fé do particular perante o poder público, da intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre as atividades econômicas, e do reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.

É interessante que, inobstante a boa-fé dos atos em geral ser presumida, a Lei de que falamos entendeu imprescindível a disposição expressa de que se deve considerar a lisura do particular perante o Poder Público e de que é ele vulnerável perante o Estado.

Tal disposição parece que veio atender a uma necessidade do mercado, que reclama ser comumente encarado como indigno em sua conduta diante do Estado, seja pelos órgãos da Administração ou pelo Judiciário.

Esse fato, em conjunto com boa-fé legalmente presumida do agente público e com a anacrônica posição do Judiciário de não apreciar o mérito administrativo, fez com que os atos da Administração deixassem de ter o necessário controle. O mencionado entendimento tradicional possui base no princípio da separação dos Poderes e, por sua vez, na ideia de que não é dado ao Judiciário imiscuir-se no mérito administrativo, o que ocorre em detrimento do princípio da inafastabilidade da jurisdição e, em alguma medida, do da presunção de inocência, consagrados respectivamente no art. 5º, XXXV e LVII, da Constituição Federal.

Todavia, faz-se necessário aqui uma ponderação dos princípios nos moldes ensinados por Robert Alexy, a partir das balizas da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, para que se descubra em concreto qual deles será capaz de garantir de forma mais ampla um direito fundamental.

Pois bem, a dilatada liberdade e a ausência de controle e de apreciação da motivação, conveniência e oportunidade do ato administrativo, apesar de lastreada em forte fundamento jurídico, vem repercutindo em certo abuso no agir dos fiscais.

Corriqueiramente, vemos pelos órgãos a criação de obrigações excessivas e a imposição de multas desnecessárias, que podem tornar a atividade econômica complexa, burocrática e onerosa e até mesmo inviabilizá-la, já que, nessa situação, dificilmente o particular consegue se defender, manter-se formalmente regular e ter liberdade para operar sua atividade.

Dessa forma, a prevalência observada, até então, para o princípio da separação dos Poderes frente ao da inafastabilidade da jurisdição, nesse caso, tem o potencial de causar um desequilíbrio nos Freios e Contrapesos de Montesquieu, já que os órgãos podem usurpar a competência do Legislativo ao exigir obrigações inexistentes, ao mesmo tempo em que não têm seus atos revisados e controlados pelo Poder Judiciário. Isso porque, apenas com a análise da motivação da proporcionalidade do ato, a legalidade resta assegurada, de modo a preservar as garantias constitucionais e o melhor interesse público, salvaguardando-os de desvios e excesso de poder.

Da mesma forma, apenas com o controle de legalidade é possível preservar a eficiência e a finalidade dos órgãos, essenciais no âmbito da promoção da cidadania, preservação dos direitos sociais e manutenção da segurança e da ordem econômica.

Assim, ao se fazer a ponderação dos princípios para a situação ora vista, observa-se que a preponderância para a inafastabilidade da jurisdição em detrimento ao da separação dos Poderes viabiliza a garantia do direito fundamental a uma Administração transparente e que opere no intuito de garantir o desenvolvimento econômico e social.

Também é assim que os princípios da boa-fé do particular e de sua vulnerabilidade perante o Estado podem ser reconhecidos, como também o podem os princípios da intervenção subsidiária do Poder Público na atividade econômica e da liberdade como garantidora do exercício da atividade, todos instituídos pela Lei da Liberdade Econômica.

Como se viu, o controle judicial tem o condão de situar os atos administrativos dentro do campo da discricionariedade e, portanto, da legalidade, evitando excessos e interferências desnecessárias ou desproporcionais na atividade econômica, e dando alguma margem de segurança para o particular empreender, inovar e agir com liberdade no exercício dessa atividade.

Todavia, será necessário que o Judiciário enxergue sua importância nesse controle e modifique o tradicional entendimento utilizado, passando a imiscuir-se no mérito administrativo, não para dizer como o agente deve agir, mas como não deve, mesmo no que diz à oportunidade e conveniência que formam a motivação de seus atos.

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